terça-feira, junho 19, 2012

Comer para poder crescer!


Acende-se o fogão. Coloca-se a panela no fogo mais alto. Uma porção de gente bonita e branca no topo. Uma porção de traição, infidelidade e maldade. Algumas xícaras de surrealismo e humor. Umas colheres de sopa bem generosas de eufemismo e outras, também fartas, de hipérbole. E uma pitada de realidade (conhecida como “segredo da comida”). O fogão aqui é TV. A panela, as novelas. A comida, a propaganda do Brasil. E os degustadores? Temos que engolir. Insosso ou queimado é o único prato que temos.

Vendemos uma propaganda linear enganosa. Início, meio e fim. Os três tempos das novelas panfletam um país cheio de regras. Um mocinho que ao ver a mocinha, no 3º capítulo, apaixona-se perdidamente por ela. Uma personagem apaixonada pelo mocinho se alia à outra apaixonada pela mocinha. Prontinho. Circo armado. Depois de toda uma guerra enfrentando altos e baixos, compartilhando chiliques de gays escandalosos e vinganças impensáveis; casam-se, têm um filho e vivem felizes para sempre. Alguém se identifica...? A mocinha nunca dá um toco definitivo no mocinho, o gay raramente é uma pessoa séria. Os padrões são impostos, aceitos e divulgados. Não era de se esperar nada diferente senão uma interpretação de um Brasil assim: linear e inflexível.

Queremos o abstrato com cara de concreto. Somos uns degustadores difíceis de agradar mesmo. Se estiver muito irreal reclamamos; se estiver verdadeiro demais reclamamos. Daquele, porque as histórias ficam tão inacessíveis que perdem o encanto. Deste, porque as histórias ficam tão acessíveis que perdem o encanto. Culpa do encanto, então?! O equilíbrio serve? Talvez sim, mas por enquanto, muitos ainda alegam que ao chegar a casa após um dia cansativo querem assistir a infinitas bobagens fantasiosas mesmo. Esquecem, no entanto, que o julgamento é algo natural. E as novelas daqui são alvos fortíssimos de um reflexo real- já que se destinam não pouco tempo a elas. Quanto mais desfigurarem o dia-a-dia, mais impressões tortas terão de nós.

 Eufemismo e hipérbole. A primeira, suavizando o conteúdo. A segunda, exagerando os absurdos. Essa é a cara das novelas brasileiras, pois as que adulteram o real são as mais cotadas de audiência. Lembremos, porém que elas além de fantasias devem ser ótimas em denúncias e críticas da nação sem nenhuma figura de linguagem. Afinal, uma comidinha, de vez em quando, não mata, não engorda e nem faz mal.


3ª Guerra Mundial?




Liga-se a TV e lá vem o bombardeio. É gente confinada em “Reality”. Gente ficando careca por paixão ao ofício. Nas novelas? Finais sempre felizes. E por aí vai... Passamos mesmo os nossos momentos livres com esses controles remotos chefes?

O ponto de convergência nem sempre vale a pena. Reservam tempo demais mantendo o mesmo episódio- por mais importante que seja- no ar. E essa exacerbação de abordagem vai desde um brilhante gol olímpico a um caso de estupro, por exemplo. Enquanto gastam rios de horas na mesma notícia o mundo gira e age sem parar. A televisão deveria ser tida como um meio que objetiva o lazer e a informação e não uma máquina de “replay”. O que vemos, ao contrário disso é que nem sempre o primordial é uma notícia de qualidade aos telespectadores, mas sim a colocação no ranking do ibope televisivo.

A alienação é dentro e fora da telinha. Canais esquisitos e vários fanáticos assistindo. Programação de humor transformando-se em um de drama e milhões curtindo. Programas de culinária migrando para a linha repórter sem nem sequer percebermos. Nós, de fato, só assistimos o que nos oferecem. Eles, porém, só nos oferecem o que assistimos. Se os controles remotos ainda permanecem ligados, mesmo que migrando de canal, há dúvida que essa mesma programação vai persistir?

Há exércitos poderosíssimos em busca do prestígio na televisão. Usam as armas mais inusitadas possíveis. Surpreendem, enganam, exageram e até informam! Não nos esqueçamos, entretanto, que a autonomia do controle ainda é nossa. E a forma mais eficaz de sairmos ilesos dessa é clicar no “Power”. Pronto. Tratado de paz nessa guerra.

Arco-íris brasileiro


                         

Os “shoppings”, os clubes e os altos cargos são majoritariamente brancos. As favelas, as ruas e os empregos menos favorecidos são majoritariamente negros. Talvez o mais justo fosse um Brasil mais cinza. Temos, então, um país leigo nesse aspecto, o que se confirma com a panfletagem brasileira e a repercussão das cotas.

A propaganda brasileira merece reparos. No mundo da TV reinam padrões que sem querer- ou querendo, quem sabe?- estabelecem uma divisão criteriosa e cheia de rigor. Nos chefes das grandes empresas, os mesmos personagens; nos salões luxuosos, as mesmas madames; nas cozinhas, as mesmas histórias. Sociedade estamental, portanto? Passamos se não essa impressão, a de que a miscigenação não ocorreu aqui e até mesmo que ser negro é a excessão da regra. A cada nova estreia nenhum elemento novo, e quando há resulta num ibope baixo. Sai ano, entra ano e o desrespeito com a lei matemática predomina: a maioria continua a atuar como minoria.

Cotas é uma tentativa de ressarcimento. Seja pelos anos de escravidão ou pela falta de acesso às escolas de alta qualidade- sendo este uma consequência daquele. Há quem diga que essa “ação afirmativa” é um empurrãozinho para o aumento das desigualdades raciais; alegam isto: nenhuma etnia é menos capaz que outra, logo não deve haver privilégio para nenhuma. Esquecem, no entanto, que a livre concorrência é um mito, pois o descarado ‘embranquecimento’ feito aqui no Brasil com a migração deixa claro que os negros demoraram muito para conseguir algum espaço, mesmo que pequeno. Injustiça, portanto, é querer exigir que oportunidades diferentes se convirjam nas mesmas vagas de universidades públicas. Capacidade não é sinônimo de vantagem!

Deixemos os majoritários e reerguemos a simbiose. A plaquinha do “É PROIBIDO” deve ser retirada não só da TV nem das universidades públicas, mas também de outras mais rotineiras. A repercussão da desigualdade racial na herança do Brasil vai desde os protagonistas ou honestos brancos a empregados ou bandidos negros. Um país verde-amarelo mais cinza sim.