Acende-se o
fogão. Coloca-se a panela no fogo mais alto. Uma porção de gente bonita e
branca no topo. Uma porção de traição, infidelidade e maldade. Algumas xícaras
de surrealismo e humor. Umas colheres de sopa bem generosas de eufemismo e
outras, também fartas, de hipérbole. E uma pitada de realidade (conhecida como
“segredo da comida”). O fogão aqui é TV. A panela, as novelas. A comida, a
propaganda do Brasil. E os degustadores? Temos que engolir. Insosso ou queimado
é o único prato que temos.
Vendemos uma
propaganda linear enganosa. Início, meio e fim. Os três tempos das novelas
panfletam um país cheio de regras. Um mocinho que ao ver a mocinha, no 3º
capítulo, apaixona-se perdidamente por ela. Uma personagem apaixonada pelo
mocinho se alia à outra apaixonada pela mocinha. Prontinho. Circo armado.
Depois de toda uma guerra enfrentando altos e baixos, compartilhando chiliques
de gays escandalosos e vinganças impensáveis; casam-se, têm um filho e vivem
felizes para sempre. Alguém se identifica...? A mocinha nunca dá um toco
definitivo no mocinho, o gay raramente é uma pessoa séria. Os padrões são
impostos, aceitos e divulgados. Não era de se esperar nada diferente senão uma
interpretação de um Brasil assim: linear e inflexível.
Queremos o abstrato com cara de concreto. Somos uns degustadores difíceis de
agradar mesmo. Se estiver muito irreal reclamamos; se estiver verdadeiro demais
reclamamos. Daquele, porque as histórias ficam tão inacessíveis que perdem o
encanto. Deste, porque as histórias ficam tão acessíveis que perdem o encanto.
Culpa do encanto, então?! O equilíbrio serve? Talvez sim, mas por enquanto,
muitos ainda alegam que ao chegar a casa após um dia cansativo querem assistir
a infinitas bobagens fantasiosas mesmo. Esquecem, no entanto, que o julgamento
é algo natural. E as novelas daqui são alvos fortíssimos de um reflexo real- já
que se destinam não pouco tempo a elas. Quanto mais desfigurarem o dia-a-dia,
mais impressões tortas terão de nós.
Eufemismo e hipérbole. A primeira, suavizando o conteúdo. A segunda, exagerando
os absurdos. Essa é a cara das novelas brasileiras, pois as que adulteram o
real são as mais cotadas de audiência. Lembremos, porém que elas além de
fantasias devem ser ótimas em denúncias e críticas da nação sem nenhuma figura
de linguagem. Afinal, uma comidinha, de vez em quando, não mata, não engorda e
nem faz mal.